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quinta-feira, 27 de maio de 2010

ALTERAÇÕES NO CÓDIGO PENAL E SÚMULA DO STJ PROVOCAM MUDANÇAS NO COMBATE À PIRATARIA


O Problema da Pirataria: situação atual

Em artigo publicado há não muito tempo atrás entitulado “As Duas Faces do Avanço Intelectual”, fizemos uma ligeira reflexão sobre o paradoxo entre a eficaz e crescente evolução humana no campo da inovação (especialmente tecnológica) e o retrocesso verificado na implementação ou mesmo desenvolvimento das ferramentas (sejam legais ou operacionais) capaz de impor respeito aos direitos relativos à propriedade intelectual, quiçá efetivamente combatê-los.

Nesse ínterim, pouca coisa efetivamente mudou, à despeito dos aplausos que merecem todos aqueles envolvidos no combate aos delitos ligados à propriedade intelectual, em especial as associações que representam diversos seguimentos da indústria, comércio, autores, enfim, titulares de direitos intelectuais, que fizeram com que, ao longo de anos de trabalho, boa parte da sociedade tenha se conscientizado da gravidade do problema.

Esse trabalho, que certamente ganhou visibilidade com a criação do antigo Comitê Interministerial de Combate à Pirataria (no longínquo ano de 2001 – e que pouco ou quase nada fez), foi certamente influenciado pela pressão exercida pelos EUA, que vez ou outra ameaçava incluir o Brasil em lista negra, encabeçada por países como China e Índia, tidos como países onde praticamente não há respeito à propriedade intelectual (mas que já esboçam alguns avanços).

Vale lembrar que o Comitê, apesar de criticas merecidas, serviu pelo menos para trazer o assunto para a pauta da sociedade (auxiliando assim os titulares de direitos intelectuais nas lutas diárias que enfrentavam nos tribunais Brasil afora), que logo após assistiu a ”Telemidiática CPI da Pirataria”, que soprou como uma esperança de dias melhores ou de um posicionamento diferente diante do quadro até então vigente.

Nesse aspecto, apesar do grande barulho, e talvez menor resultado, a criação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual – CNCP, em 2004, conglomerando diversos segmentos da sociedade, deve ser reconhecido com um grande resultado da CPI e, mais que isso, um campo legítimo e poderoso para dar vazão a necessária discussão e contribuição para medidas práticas, educativas e legislativas, no enfrentamento da questão.

De qualquer forma, o CNCP, que encabeça o fronte contra a Pirataria (ao lado do também muito ativo FNCP – Fórum Nacional Contra a Pirataria e Ilegalidade, como outras tantas entidades engajadas no tema), representa uma das maiores ferramentas para enfrentamento da questão, e onde muitos ainda depositam sua confiança de que, através da força que reuniu, possa efetivamente mudar o quadro atual.

E para isso, já está claro que não bastam medidas paliativas ou pontuais. Também não é a força pitoresca e grotesca dos meios “históricos” de investigação brasileira que devem nortear a questão. Novas leis, palestras, apreensões pontuais, a despeito de positivas, não resolvem o problema. A reforma deve englobar as sólidas bases onde permeiam os mecanismos do sistema de pirataria e, mais do que isso, do seu próprio sistema de combate, maculado, em sua raiz, por problemas muito mais sérios (lamentavelmente experimentados em outros campos), dos quais muitas vezes se fazem valer as próprias vítimas e interessados, ofuscados pela dificuldade em agir de outra forma.

Basta dizer que desde 2006, por exemplo, há lei no estado de São Paulo (Lei 12.279/06, regulamentada pelo Decreto 50928/06) e na cidade de São Paulo, prevendo perda do cadastro de inscrição no ICMS, fechamento do estabelecimento, impossibilidade de seus sócios atuarem no mesmo ramo por 05 anos, perda do alvará de funcionamento do estabelecimento, entre outras penalidades, para aqueles que forem flagrados comercializando produtos piratas. Qual o resultado dessa lei? Quantos estabelecimentos foram efetivamente fechados? A mesma legislação, aliás, começa a pipocar em outras cidades e estados.

É, como se diz, tratar o que existe, como existe, da forma que existe, pautado na legalidade, na razoabilidade, mas acima de tudo, na realidade de um mundo em diária mutação. E isso começa pela nomenclatura atribuída à questão. A sociedade, lamentavelmente, por maior que seja o esforço em fazer crer que PIRATARIA é alvo nocivo, criminoso, tem consigo um idéia diferente da questão. Há, certamente, uma aceitação do termo, por maior que seja o avanço hoje experimentado.

E a amplitude de crimes que hoje são colocados sob a chancela de PIRATARIA parece trazer ainda mais maleabilidade ou menor reprobabilidade social da conduta.

Talvez a intenção seja justamente essa: colocar sob o manto da PIRATARIA crimes gravíssimos, como a falsificação ou adulteração de medicamentos, ou mesmo de cosméticos, que são crimes hediondos (com penas de até 15 anos de prisão), mas aparentemente o viés tem sido outro (1).

Tanto é que vez ou outra há alguns defendendo a aplicabilidade do princípio da adequação social (que não guarda amparo em nossa legislação) para afastar a punição de crimes contra a propriedade intelectual (especialmente o comércio de CDs piratas).

De qualquer forma, à despeito do coro que se faz pela avanço intelectual no enfrentamento da questão, o objeto central aqui é anunciar mudanças legislativas e decisão do STJ que promoveram alteração nos crimes contra a propriedade industrial (e todos que se enquadrem na mesma condição), como veremos.


A Prescrição no Crimes contra a Propriedade Intelectual

Há muito tempo, tanto detentores de direitos ligados à propriedade industrial, como aqueles que lidam com o tema, entidades de classe, aguardam e reclamam pela aprovação de alteração na legislação que trata dos crimes contra a propriedade industrial, tipificados nos artigos 183 a 195 da Lei de Propriedade Industrial – Lei 9279/06.

O clamor maior, e a espera que aparentemente não se encerra, é pelo projeto de lei - PL 333/99, de autoria do então deputado Antonio Kandir, cuja grande mudança é justamente aumentar a pena culminada para tais delitos.

Uma das motivações era justamente o reconhecimento de que a ‘pequenez” da pena máxima culminada para aqueles delitos (que não passa de um ano de detenção) tornava, na prática, impossível uma efetiva punição, quer por ser o crime atingido invariavelmente pela prescrição, quer pela possibilidade de aplicação dos benefícios advindos com a Lei 9099/95 – Lei dos Juizados Especiais (já que para muitos as condutas em análise não são, ou não deveriam ser, condutas de menor potencial ofensivo).

No que pese o PL ainda continuar sendo apenas um PL, recente modificação promovida no Código Penal, (mais precisamente no último dia 05.05.2010) parece confortar (pelos menos parcialmente) aqueles que temem a prescrição como um dos maiores vilões na persecução criminal dos crimes contra a propriedade industrial.

Como sabemos, a prescrição penal nada mais é do que a perda do poder e dever de punir do Estado diante do não exercício da pretensão punitiva ou mesmo executória durante o prazo estabelecido pela lei.

Em outras palavras, poderíamos dizer que é uma espécie de “penalidade” aplicada pela lentidão do Estado em exercer o direito de punir aqueles que transgridem o ordenamento jurídico vigente. O resultado é a extinção da punibilidade do agente.

O seu reconhecimento, portanto, atinge o próprio direito material (de punir), e conseqüentemente fulmina o direito de ação. Boa parte dos doutrinadores acredita ser matéria eminentemente penal, conquanto haja corrente que afirme ser processual e outra mista.

De qualquer forma, a prescrição se divide basicamente, em dois grandes grupos: prescrição da pretensão punitiva e prescrição da pretensão executória. Ambas estão disciplinadas no Código Penal, em seus artigos 109 a 117.

Importante termos em mente que a prescrição da pretensão punitiva abarca diversas modalidades: i) prescrição pela pena máxima em abstrato; ii) prescrição superveniente ou intercorrente; iii) prescrição retroativa.

Nesse sentido, a Lei n.° 12.234, de 05 de maio de 2010, promoveu alterações nos artigos 109 e 110 do Código Penal, que dispõem sobre a prescrição penal, aumentando o prazo para sua ocorrência, nos crimes cuja pena máxima seja inferior a um ano, além de expurgar a chamada prescrição retroativa de nosso sistema na fase pré-processual.

O reflexo na persecução penal dos crimes contra a propriedade industrial é grande. Atualmente, dos 6 Capítulos do Título V da Lei de Propriedade Industrial – Lei 9279/96, onde encontramos 12 artigos tipificando diversas condutas, 08 prevêem penas que não ultrapassam os 03 meses de detenção (artigos 184, 185, 188, 190, 191, 192, 193, 194).

Isso significa que o prazo prescricional de todos esses crimes passou de 02 anos para 03 anos, se aproximando em muito do prazo fixado para os demais crimes (artigos 183, 187, 189 e 195) que em virtude da pena ser igual a um ano de detenção, continua sendo de 04 anos (não houve qualquer alteração nesse sentido).

Já no caso dos demais crimes, tidos contra a propriedade intelectual (e não industrial), como a violação de direitos autorais (artigo 184 do Código Penal, caput, parágrafos 1o., 2o. e 3o), e violação dos direitos de autor de programa de computador (artigo 12 da Lei 9609/98, caput, parágrafos 1o. e 2o.), a nova lei, no que tange a fixação do prazo prescricional, nada alterou, já que em todas as hipóteses a pena máxima não é inferior a um ano.

Mas não foi só o prazo da prescrição da pretensão punitiva, calculado pela pena em ideal, que foi alterado.

A referida lei, como anunciado, extirpou de nosso ordenamento uma das hipóteses de incidência da chamada “Prescrição Retroativa”, regulada pelo agora revogado parágrafo segundo do artigo 110 do CP.

A modalidade retroativa, cuja natureza é de prescrição da pretensão punitiva, é aquela que levava em conta para computo do prazo a quantidade de pena efetivamente fixada pela sentença, e não a pena máxima em abstrato fixada.

Naquela hipótese, os prazos prescricionais eram calculados com base nessa pena fixada pela sentença (que deveria, necessariamente, ter transitado em julgado para a acusação ou ter sido improvido seu apelo) e deveriam ser analisados considerando dois lapsos temporais: i) a data da consumação do crime (ou qualquer das hipóteses do artigo 111 CP) e o recebimento da denúncia ou da queixa; ii) o recebimento da denúncia ou queixa e a publicação da sentença condenatória.

Assim, uma vez fixada a pena, com o transito em julgado da sentença para a acusação ou improvido seu recurso, bastava “encaixar” a pena em algum dos incisos do artigo 109 do CP para se obter o prazo prescricional e analisar se ele teria se consumado dentro dos dois momentos acima mencionados, que compreendem basicamente a fase investigativa e a fase judicial.

Essa possibilidade de incidência da prescrição, especialmente a que compreendia o inquérito policial, atingia muitos crimes, especialmente aqueles onde a fase investigativa era extremamente lenta, seja em função da dificuldade em obter informações para esclarecimentos dos fatos e da autoria, seja em função da morosidade ou precariedade da investigação policial no Brasil.

Tal realidade, ou melhor, a morosidade na fase preliminar, com a nova lei, não irá mais favorecer o condenado, pois o legislador entendeu por bem extirpar essa hipótese de incidência da prescrição retroativa, mantendo, todavia, aquele relativa a fase judicial (denuncia ou queixa até publicação da sentença condenatória – sem deixar claro se deve levar em conta o recebimento ou apenas o oferecimento).

Com essa alteração, que passa a valer para os crimes cometidos a partir do dia 05 de maio (2), não há dúvidas que experimentaremos significativa diminuição na extinção da punibilidade de condenados, em função da prescrição. Todavia, que tal modificação, razoável ou não (por não permitir que a pena real seja considerada, o que pode ser considerado ofensa ao princípio da pena justa, mas que abordaremos em outra oportunidade) não sirva para corroborar ou motivar lentidão ainda maior na fase investigativa.

Mas o que isso pode afetar os crimes contra a propriedade intelectual?

Em primeiro lugar, temos que ter em mente que boa parte dos crimes contra a propriedade intelectual são perseguidos através de ação penal privada (artigos 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 192, 193, 194 e 195 da LPI; 184 caput do Código Penal, e artigo 12 da Lei 9609/98 – ressalvadas hipóteses contidas no inciso 3o. do referido artigo), conquanto poucos sejam perseguidos através de ação penal pública (artigos 184 parágrafos 1o., 2o., 3o. do Código Penal e as hipóteses contidas no inciso 3o. do artigo 12 da 9609/98).

Essa diferença acerca da natureza da ação penal, aliada aos dispositivos do Código de Processo Penal que regulam o processo e julgamento dos crimes contra a propriedade imaterial (artigos 524 a 530), que promove, inegavelmente, um diferenciação na forma de início da persecução criminal, deve ser considerada.

A despeito da discussão sobre a possibilidade de ser apurado crime contra a propriedade industrial (aqueles relacionados nos artigos 183 a 195 da LPI), através de inquérito policial (cujo enfrentamento já exigi um outro artigo), não há dúvidas de que o fim da prescrição retroativa incidente na fase investigativa pouco representará nos casos em que a ação penal é privada.

Isso porque, quer admita-se o início da persecução através de inquérito policial, quer seja ela promovida através de medida judicial, o prazo decadencial que incidirá em tais hipóteses funcionará como verdadeiro limitador do próprio exercício da ação penal.

Em outras palavras, seja no inquérito policial, seja no bojo da medida judicial, quer parecer que qualquer um desses procedimentos dificilmente perdurará por 03 anos (prazo prescricional mínimo que deverá ser observado), sem que se tenha conhecimento do suposto autor do crime.

É claro que o marco inicial do computo do prazo decadencial (disciplinado pelos artigo 38 do CPP e 103 do CP) deverá ser necessariamente o conhecimento do suposto autor do crime, aliado à regra do artigo 529 do CPP (3) , informação que na maioria dos casos se tem quando do conhecimento da existência do crime ou mesmo quando da realização de busca e apreensão ou da confecção do laudo pericial, providencias que em regra são realizadas com razoável celeridade.

Não podemos negar que pode haver hipótese em que se tenha conhecimento de prática de crime contra patente de invenção, ou registro de marca, por exemplo, sem que se tenha noção de seu autor, ou que mesmo a diligência de busca e apreensão não o indique, ou nem mesmo o laudo pericial, exigindo investigações duradouras, mas isso não é, verdadeiramente, o que acontece nesses crimes, especialmente em função da autoria ser atribuída a todo aquele envolvido na cadeia produtiva ou de comercialização do produto (quem vende, expõe à venda, mantém em estoque, oferece à venda etc.).

De qualquer forma, mesmo nessa hipótese, de conhecido de qualquer um dos autores do crime, seja apenas o distribuidor, ou vendedor, a continuidade da investigação, sem oferecimento da queixa-crime (presentes os demais requisitos -4), sob o argumento de que é necessária a obtenção de informação de todos os envolvidos no processo de violação dos direito industriais, não impedirá o curso do prazo decadencial, contra os autores conhecidos, exigindo assim do ofendido a adoção imediata de medidas.

Assim, se a fase inicial for conduzida judicialmente, os prazo fixados pela legislação limitam a sua duração, sendo improvável que extrapolem 03 anos. Se forem conduzidas através de investigação policial, compete ao ofendido o acompanhamento rigoroso de seu desenvolvimento, para que não seja surpreendido pela decadência.

Ademais, como dito, poucos são, na prática, os casos em que a autoria não é conhecida ab initio, ainda que não sejam conhecidos todos os dados do autor, o que faz com que essa supressão da prescrição retroativa na fase investigativa tenha pouca relevância prática no caso dos crimes contra a propriedade industrial.

Já nos demais casos, especialmente violação de direitos autorais (onde a ação penal é pública), a supressão pode impactar os casos mais complexos, ou onde há envolvimento de diversos autores, até em função do relaxamento natural da fase investigativa, que não está “correndo contra o relógio” e que é sempre conduzida através de inquérito policial, tendo como titular da ação penal o Ministério Público, que em função da ausência de prazo decadencial, pode optar por requerer mais diligências com a intenção de, por exemplo, desmantelar um esquema maior envolvendo outros crimes (sonegação de impostos, lavagem de dinheiro etc.), alterando sensivelmente o prazo para conclusão da investigação, haja vista a maior dificuldade que será enfrentada pela policia judiciária.


A Prescrição Virtual nos Crimes contra a Propriedade Intelectual – A Nova Súmula do STJ

O mal da pequenez da pena fixada especialmente para os delitos contra a propriedade industrial, como também aquelas fixadas para os crimes de violação de direitos autorais, além das implicações abordadas acima, facilitava a aplicação da chamada prescrição virtual, que vez ou outra era invocada por promotores e acolhida por juízes.

Esse prescrição, a despeito de não encontrar amparo legal em nosso sistema, era (e ainda é) defendida por muitos, via de regra sobre o fundamento de que o processo penal não pode ser inútil, quando desde o início (antes do oferecimento da denúncia) sabe-se que a prescrição fulminará a possibilidade de efetivação do jus puniendi.

A prescrição virtual funciona mais ou menos assim: ao analisar o caso, o promotor (ou o juiz) verificava a quantidade da pena atribuída ao crime, as condições em que ele foi praticado, as condições do autor (se tinha bons antecedentes, se era réu primário), enfim, fazia uma projeção de qual a pena seria aplicada ao caso. Obtido o resultado (via de regra considerava-se a pena mínima), verificava-se o prazo prescricional estabelecido pelo CP e aplicava-se ao caso, considerando as modalidades de prescrição existentes, sendo que a mais comum era a análise baseada na prescrição retroativa da fase investigativa (entre a data do fato e o momento de oferecimento da denúncia ou queixa).

Em outras palavras, a prescrição virtual leva em conta a pena a ser virtualmente aplicada ao réu, ou seja, a pena que seria, em tese, cabível ao réu por ocasião da futura sentença.
No caso de ação penal pública, entendendo o promotor que já estaria prescrito o crime, deixaria de oferecer a denúncia, suscitando a extinção da punibilidade na modalidade retroativa antecipada ou virtual. Por outro lado, no caso de ação privada, poderia o juiz rejeitar a queixa, também extinguindo a punibilidade sob o argumento da prescrição.

A justificativa dos defensores, funda-se especialmente na análise das condições da ação (possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes, e o interesse de agir – para alguns soma-se a justa causa). Em linhas gerais, sabido que o processo seria consumado pela prescrição, fulminando a pretensão punitiva ou executória, não estariam presentes na ação o interesse de agir (necessidade e adequação), faltando-lhe ainda justa causa.

Há ainda outros argumentos, como o de que o não reconhecimento da prescrição virtual violaria o princípio da dignidade humana.

No caso dos crimes contra a propriedade intelectual, especialmente em função da pequenez da pena, tal ocorrência, pelo menos em São Paulo e no Sul do País, por parte de promotores era vez ou outra verificada.

De outro lado, aqueles que defendem a impossibilidade de sua aplicabilidade fundam-se na ausência de previsão legal, na violação do direito de defesa, presunção de inocência e individualização da pena, basicamente.

De qualquer forma, o assunto, que merece atenção e fria análise, para filiar-se à uma ou outra corrente, foi enfrentado recentemente pelo STJ, que sumulou o tema, pretendendo por uma pá de cal sobre o assunto:

SÚMULA 438: É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal

Referida súmula, representa mais um vitória daqueles que defendem a inaplicabilidade da prescrição virtual, como os titulares de direitos ligados à propriedade intelectual, cuja legislação e falta de celeridade no processamento das ações penais, inquéritos policiais e medidas preparatória, ao lado de discussões doutrinárias sobre o correto procedimento que devem adotar para enfrentar essa modalidade de criminalidade, encontram mais um bom argumento ou incentivo para continuar a batalha.

Por outro lado, o fato de ter sido extirpada a prescrição retroativa na fase investigativa não afasta a invocação da prescrição virtual, que pode também ser aplicada após o recebimento da denúncia, mas antes da sentença. É o exemplo claro trazido pelo brilhante Luiz Flávio Gomes, que assim nos ensina:

Exemplo: houve denúncia (em 2005, por um furto simples) e demorou-se para iniciar a instrução. Depois do transcurso do lapso prescricional em perspectiva (contado com base na pena em perspectiva de um ano), já não se justifica iniciar a instrução criminal em 2010 (por faltar-lhe justa causa). Da denúncia (2005) até hoje (2010) transcorreram cinco anos. Um ano (pena em perspectiva) prescreve em quatro. Já transcorreu o tempo da prescrição retroativa. Para que levar esse processo adiante? Só para se chegar à sentença e a partir daí reconhecer a prescrição retroativa? A inutilidade do uso da maquina judiciária, nesse caso, é patente! Falta justa causa para essa ação penal. O trancamento da ação penal está (mais do que) justificado.

No mais, há que se estabelecer que a durante a fase investigativa continua incidindo a prescrição, mas apenas pela pena em abstrato, o que não significa, portanto, que essa fase poderá se estender indefinidamente.


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1. Brilhante artigo do mestre Miguel Reale Jr. defende a inconstitucionalidade desse crime – Revista dos Tribunais – Volume 763, páginas 415/431.

2. Tendo em vista que a alteração tem conteúdo material e prejudicial ao acusado não retroagirá para atingir casos ocorridos anteriormente à data de entrada em vigor, ainda que pendente o processo-crime, por tratar-se de reatroatividade in malam partem (vedado pelo sistema constitucional brasileiro - art. 5 inciso XL da CF e artigo 2o. do Código Penal)

3. O prazo do artigo 529 é, para muitos, o prazo único que regula a decadência nos crimes contra a propriedade imaterial, afirmativa com a qual não anuímos, e que abordaremos em outra oportunidade.

4. É exigência que seja realizado exame de corpo de delito, quando o crime deixar vestígios, sendo que ausente o laudo pericial, não haverá recebimento da queixa.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Processo Administrativo para Registro de Marca: Noções e Fluxograma

I - Introdução

No artigo “A Importância do Registro de Marca e Como Obtê-lo”, destacamos, além da importância da obtenção da chancela do INPI como única forma de garantir efetivamente a exclusividade na exploração da marca por seu titular (e protegê-lo contra investidas de terceiros) através da concessão do respectivo registro, a necessidade de desmistificação de que tal providência é restrita às grandes corporações ou mesmo excessivamente onerosa.


Já a pretensão desse singelo escrito é trazer as noções básicas dos atos que ocorrem, ou podem ocorrer, durante o processamento do pedido de registro, cuja análise é feita pelos examinadores do INPI. 
Vale afirmar e alertar ao leitor que muitos dos desdobramentos dos institutos delineados não foram aprofundados ou mesmo explorados em sua ampla extensão, dado o caráter informativo desse artigo.

Ao final apresentamos um pequeno fluxograma cujo objetivo é facilitar a compreensão do tema (1).


II - O Instituto Nacional da Propriedade Industrial

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial, vulgarmente conhecido como INPI, é o órgão responsável pela análise de pedido de registro de marcas no Brasil (como também pela concessão de patentes, averbação de contratos de transferência de tecnologia e franquia, registro de programas de computador, desenhos industriais e indicações geográficas).

É uma autarquia federal que está vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, tendo hoje como presidente o Sr. Jorge de Paula Costa Ávila.

O INPI foi criado em 1970 e, até então, os atos que atualmente estão sob o seu encargo eram exercidos pelo extinto DNPI – Departamento Nacional da Propriedade Industrial, criado em 1933.  Há que se destacar que essa função no Brasil foi inicialmente desempenhada pelas Juntas Comerciais, sendo a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, instituída pelo Alvará de 23.08.1808, o primeiro órgão criado com a responsabilidade de analisar e conceder privilégios de invenção, sistema instituído nos tempos em que ainda éramos uma colônia portuguesa (2).

Importante observar que o INPI se comunica sempre através de despachos, ou seja, decisões, proferidas pelos seus examinadores (3). Essas são publicadas na Revista da Propriedade Industrial – RPI, cuja veiculação é semanal. O órgão não utiliza qualquer outro meio para comunicar seus atos em processos administrativos sobre os pedidos feitos pelos interessados (seja em caso de registro de marcas, patentes de invenção e modelos de utilidade, desenhos industriais etc.).

Atualmente o instituto tem voltado grandes esforços no sentido de democratizar o acesso dos interessados aos seus serviços, especialmente com adoção de um sistema eletrônico, chamado de e-marcas, onde é possível a prática de todos os atos relativos ao processo para obtenção de um registro de marca, desde o pedido inicial até a apresentação de recursos, manifestações, com total segurança. 

O sucesso do sistema e a tendência mundial de cada vez mais utilizar a internet para derrubar fronteiras, sinalizam para uma esperada estruturação no órgão no sentido de ampliar o leque de serviços oferecidos através do mundo virtual. O próximo passo, já anunciado, será o sistema que permitirá o processamento de pedido de patentes por meio eletrônico.


III – O processamento do pedido de registro de marca

O nascimento do processo administrativo ocorre efetivamente com o recebimento pelo INPI do pedido formulado, seja através de procurador (agente ou advogado) ou pelo próprio interessado.

É claro que não podemos nos esquecer dos atos que antecedem o protocolo, como a busca de anterioridades (pesquisa) feita pelo interessado e o correto preenchimento do formulário de pedido de registro, que deve obedecer às exigências legais e instituídas pelos atos normativos do INPI.

Aliás, o primeiro ato praticado pelo INPI pode ser justamente em função da não observância das exigências formais no preenchimento do formulário do pedido de registro (4), seja ele eletrônico ou em papel.

Nesse caso, é proferido um despacho, ou seja, uma decisão que visa dar a oportunidade ao interessado de corrigir o “erro formal” no preenchimento do formulário, evitando assim o arquivamento prematuro do processo. É uma decisão chamada de “despacho complementar”, que contém uma “exigência”.

Um exemplo muito comum é quando o envio de imagem (no caso de formulário eletrônico) da marca não atende ou observa as dimensões exigidas pelo INPI (a imagem deve ter o tamanho de 8cmx8cm), como também o erro na descrição do “elemento nominativo da marca”, que ocorre quando a imagem da marca contém alguma expressão que não foi inserida no campo que exige sua descrição.

Nessa hipótese, o interessado poderá suprir ou corrigir o erro, através do “cumprimento de exigência”, feito através de um formulário próprio. O prazo para cumprimento da exigência é, via de regra, de 05 dias.

Assim, caso haja qualquer exigência formulada inicialmente, o seu cumprimento tornará o pedido apto a ser submetido ao procedimento previsto pela lei, que poderá culminar com o seu deferimento e conseqüente concessão e expedição do certificado de registro de marca.

Havendo ou não a exigência preliminar, caso o pedido já reúna o que chamamos de requisitos formais, a primeira ocorrência é a sua publicação na Revista Nacional da Propriedade Industrial (esse primeiro ato – caso não tenha ocorrido a exigência formal – leva cerca de 03 meses para ocorrer, contados da data do protocolo do pedido).

Essa providência tem como objetivo dar publicidade sobre a pretensão do requerente ao registro. Em outras palavras, é uma forma de dar conhecimento à todos de que determinada pessoa ou empresa tem interesse em obter a exclusividade na utilização de determinada marca para identificar determinado(s) produto(s) ou serviço(s).

A partir desse momento, toda e qualquer pessoa que demonstre legítimo interesse pode se manifestar perante o INPI, nos autos do processo lá instaurado, contrariamente à pretensão do requerente. Ou seja, qualquer pessoa que prove ter interesse legítimo pode impugnar o pedido, apresentando as razões pelas quais aquele pedido de registro deve ser indeferido.

Essa providência é chamada de OPOSIÇÃO, cujo prazo para apresentação é de 60 (sessenta) dias contados da data da publicação do pedido de registro da marca na RPI. No final do artigo, faremos pequenos comentários sobre a oposição.

Não ocorrendo a apresentação de oposição, o pedido de registro fica aguardando a análise pelos examinadores do INPI.  Havendo oposição, o titular do pedido é intimado (sempre via RPI) para apresentar uma espécie de contestação. Formalmente, a providência é conhecida como “Manifestação à Oposição” e o  prazo para sua apresentação também é de 60 dias.

Importante destacar que seja a apresentação da oposição, seja da manifestação à oposição, haverá a necessidade de recolhimento de taxas oficiais ao INPI. Atualmente o custo oficial para apresentação de oposição pode chegar a R$400,00 e R$ 160,00 no caso de manifestação.

Apresentada ou não a oposição, com ou sem a respectiva resposta (manifestação), o processo fica aguardando a análise definitiva do INPI, que poderá resultar no deferimento ou indeferimento do pedido de registro da marca. 

Há também a hipótese do instituto formular alguma exigência (seja em função da oposição ou no curso normal da análise do pedido), cujo cumprimento poderá auxiliar ou até mesmo viabilizar o deferimento do pedido (nesse caso o prazo para o cumprimento ou manifestação será de 60 dias). Por outro lado, ao contrário do que ocorria anteriormente, apenas a não apresentação de resposta à exigência é que culminará com o arquivamento definitivo do pedido (na vigência do antigo código a lei exigia o “cumprimento ou contestação” da exigência).

Atualmente o prazo médio para análise e eventual deferimento do pedido é de 04 anos.

Na análise feita pelos examinadores do INPI, diversos critérios são observados, como o enquadramento técnico do pedido, a existência de eventuais oposições e a realização de busca de anterioridades em seu banco de dados. 

Além da verificação do preenchimento da condição para ser titular de registro (artigo 128 da LPI), obrigatória, todas as vedações legais para a obtenção de um registro são checadas (art. 124 da LPI), como também as hipóteses especiais de proteção, que representam exceção às regras gerais, contidas nos artigos 125, 126 e 129 da LPI e que tratam basicamente das marcas de alto renome, das notoriamente conhecidas e do direito de precedência.

Na hipótese do INPI deferir o pedido (seja com ou sem a existência de oposição), o requerente ou titular terá 60 dias para efetuar o pagamento da taxa final, sempre contados da data da publicação na RPI. Esse pagamento permitirá a concessão e expedição do certificado de registro, cuja validade será de 10 anos, período no qual não haverá cobrança de qualquer outra taxa oficial.

Importante ter em mente que o não pagamento da taxa final implicará no arquivamento do pedido, não sendo possível retomá-lo. Assim, caso o requerente  deixe de pagar a taxa final, terá que depositar novo pedido, que será submetido novamente a todo o processo administrativo, não gozando de qualquer vantagem ou prioridade.

Por outro lado, na hipótese do INPI indeferir o pedido, é facultado ao requerente a apresentação de um recurso, denominado recurso contra o indeferimento. Vale dizer que o indeferimento poderá ser fundado na oposição eventualmente apresentada (ou oposições, já que mais de uma pode ser apresentada, por diferentes interessados), como também com outro fundamento, que será apontado pelo examinador.

O prazo para apresentação do recurso será de 60 dias, contados da publicação na RPI. No caso de apresentação, o processo ficará aguardando novamente a análise pelos examinadores do INPI, sendo que atualmente o seu julgamento pode demorar até 02 anos para ocorrer (em alguns casos até mais).

Caso haja modificação de entendimento, o pedido é deferido e o titular terá que efetuar o pagamento das taxas finais. Da mesma forma que o deferimento natural (sem recurso), o não pagamento implicará no seu arquivamento, com as mesmas conseqüências.

Na hipótese contrária, o pedido será considerado inapto a ser concedido e não haverá mais possibilidade de reverter essa posição pela via administrativa, tratando-se portanto de decisão definitiva do INPI, contra a qual não caberá mais qualquer recurso. De toda forma, poderá ainda o interessado, caso não se conforme com essa decisão, buscar a tutela judicial, cujo caminho, dificílimo, trataremos em outra oportunidade. 

Muito embora a concessão represente a manifestação oficial do INPI, no sentido de reconhecimento de que o pedido reuniu os requisitos legais e que a partir daquele momento o seu titular está apto a gozar, com exclusividade, de todos os direitos advindos com o seu registro, é uma decisão sujeita a revisão pelo próprio órgão.

Em outras palavras, mesmo após a concessão do registro (que ocorre após o pagamento das taxas oficias, inclusive), existe a possibilidade de alteração da decisão que concedeu o registro, mediante o que chamamos de “Processo Administrativo de Nulidade”. No entanto, essa não é a única hipótese que pode fulminar  o registro já concedido. Há a possibilidade de ser reconhecida a “Caducidade”, como também a possibilidade de revisão judicial da decisão que concedeu o registro, mediante o ajuizamento de uma “Ação de Nulidade”.


IV – Da Oposição

A oposição está prevista no artigo 158 da Lei de Propriedade Industrial – LPI, Lei 9279/96. Como já apontamos, é a primeira e mais freqüente oportunidade que tem o terceiro de intervir no processo administrativo de registro de marca.

Na vigência do antigo Código da Propriedade Industrial, era possível também atacar um processo através de Recurso contra o Deferimento (parágrafo 5o. do artigo 79), instituto abolido pela nova lei.
A nova sistemática da atual Lei de Propriedade Industrial representa um avanço e visa imprimir celeridade na análise dos pedidos, já que na vigência da legislação anterior a publicação do pedido de registro ocorria somente após a realização de exame formal (toda análise de viabilidade era feita antes da publicação do pedido, portanto um exame completo), e portanto a possibilidade de apresentação de oposição ficava postergada, retardando sensivelmente o prazo para a conclusão do processo administrativo.

Resumidamente, o pedido, anteriormente, era apenas protocolado após exame preliminar. Se devidamente instruído, o protocolo era feito e a partir de então iniciava-se o seu exame formal. Somente após a conclusão do exame formal (cuja análise hoje é feita somente após a publicação do pedido) e na hipótese do INPI entender viável o pedido, é que ele era publicado e então possível a apresentação de oposição. Vale notar que no curso do exame formal também era possível a incidência de exigências, cuja regra era basicamente a vigente atualmente, com exceção da necessidade imperiosa de seu comprimento ou contestação, sob pena de arquivamento definitivo, o que hoje, como já exposto, não ocorre, podendo o requerente apenas “respondê-la”.

O prazo, como já informando, para apresentação de oposição é de 60 dias contados da publicação do pedido.

Quanto ao opoente, ou seja, aquele que se manifesta contrariamente à concessão do registro, importante observar que caso o seu fundamento seja a existência de marcas notoriamente conhecidas, marcas que o requerente não poderiam desconhecer em razão de sua atividade ou ainda a argüição de uso anterior (artigo 129, Parágrafo 1o. da LPI), deverá comprovar o depósito de um pedido de registro em seu nome em até 60 dias do protocolo da oposição (verdadeira condição de procedibilidade), sob pena dessa não ser apreciada pelo INPI.

Por fim, vale dizer que o titular do pedido tem o direito e não o dever de se manifestar sobre a oposição e o seu prazo também será de 60 dias, contados da sua publicação. A não apresentação de manifestação representa a perda da oportunidade de rebater os argumentos do opoente, mas não significa a “revelia”, como ocorre no processo civil, ou mesmo a aceitação dos argumentos, já que, em tese, o processo será submetido à analise rigorosa tal qual seria sem a sua existência.

De toda forma, a apresentação da manifestação é extremamente recomendável, especialmente em função da possibilidade dos argumentos alegados pelo opoente partirem de premissas equivocados ou que possam seduzir, maliciosamente, o examinador, que está restrito ao conteúdo do processo.


V – Processo Administrativo de Nulidade

Como alertamos no item III, mesmo após a concessão do registro da marca existe a possibilidade de sua revisão. Essa possibilidade está prevista no artigo 169 da LPI e é conhecida como Processo Administrativo de Nulidade - PAN.

Através desse instrumento, o registro já concedido pode ser “revogado”. Na realidade, sob o aspecto técnico, o que ocorre é o reconhecimento de que o ato que concedeu o registro é nulo, por ter violado as disposições contidas na LPI.

Ainda que tal definição pareça efetivamente contraditória, é exatamente essa a definição do instituto. Assim, muito embora tenha o INPI procedido ao exame do pedido e decidido por sua viabilidade, com sua conseqüente concessão, esse ato poderá ser posteriormente declarado nulo, fulminando o registro.

E as razões, como dito, podem ser as mais diversas, compreendidas na definição de que o ato de concessão contrariou qualquer disposição da LPI, não existindo assim fundamentação exclusiva ou definida para incidência do processo. Há que se fazer referência, todavia, às hipóteses destacadas acima, para a fundamentação da oposição, que também se aplicam ao PAN, exigindo-se o depósito de pedido de registro pelo requerente.

Observe-se ainda que não há qualquer exigência ou regra quanto a superveniência ou não da fundamentação para instauração do processo. Isso significa que o argumento invocado, consubstanciado na infração à LPI, não precisa ter ocorrido antes da concessão do registro, podendo assim ter ocorrido tanto no curso do processo para obtenção do registro que se vise anular como até mesmo posteriormente. O mesmo se aplica ao conhecimento desse impedimento.

Exemplo de ocorrência de causa superveniente é o reconhecimento de alto renome posterior à concessão do registro que se pretenda anular.

Quanto a legitimidade para querer a instauração do processo administrativo de nulidade, qualquer interessado pode fazê-lo, bastando que comprove sua legitimidade, como ocorre também no caso do oferecimento de oposição.

Interessante notar que o próprio INPI, sem provocação, também poderá instaurar o processo administrativo de nulidade, ou seja, poderá agir ex officio.

O prazo para instauração, seja por terceiro interessado ou pelo próprio INPI é de 180 dias, contados da concessão do registro.

O requerimento ou mesmo a instauração do processo administrativo de nulidade não tem efeito suspensivo, o que significa dizer que enquanto perdurar a sua análise, prevalecerão os efeitos da concessão do registro, podendo assim o titular gozar de toda a proteção conferida pela legislação.

A decisão proferida no processo administrativo de nulidade não comporta recurso, restando à parte que não se conformar com o seu desfecho buscar o pronunciamento judicial.

Quanto ao alcance da decisão, o primeiro ponto que temos que observar é que a nulidade poderá ser parcial, hipótese em que atingirá apenas “parte” da marca.  Ademais, em  sendo julgado procedente o PAN, a decisão terá efeito ex tunc, ou seja, retroagirá à data de sua concessão,  e erga ominis, pois atingirá não apenas os envolvidos no processo administrativo, regras aplicáveis, via de regra, às decisões que reconhecem nulidade de atos administrativos.


VI – Caducidade

Outra hipótese de ser atingido um registro de marca, na esfera administrativa (perante o INPI) é através da declaração de sua caducidade.

Nesse caso, diferentemente do que ocorre no caso do PAN, haverá a extinção do registro e não o reconhecimento de que sua concessão violou a legislação vigente. A previsão legal está nos artigos 142, III, 143, 144, 145 e 146 da Lei de Propriedade Industrial.

Portanto, caducidade é uma forma estabelecida pela LPI de perda de direitos, que poderá ocorrer nas seguintes hipóteses:

·      Não inicio de utilização da marca no Brasil
·      Interrupção do uso da marca por mais de 05 anos consecutivos;
·      Utilização da marca em desacordo com o constante no certificado de registro, implicando em alteração do seu caráter distintivo original, por mais de 05 anos consecutivos.

Em todos os casos acima, o prazo inicial para que seja requerida a declaração de caducidade é de 05 anos, contados da data da concessão do registro. Isso significa que esse lapso entre a concessão e o término dos 05 anos é um período de graça, durante o qual não poderá ser requerida a perda dos direitos advindos com a concessão do registro fundada nas hipóteses de caducidade, descritas acima.

Assim, durante o período de graça, o titular do registro não poderá ser penalizado, por exemplo, com a não utilização de sua marca ou ainda com a utilização em desacordo com aquela prevista em seu certificado.

Qualquer pessoa poderá requerer a caducidade de um registro, devendo apenas demonstrar seu interesse. Ao contrário do que ocorre no PAN, o INPI não poderá agir ex officio.

Um vez requerida a caducidade, o titular do registro será intimado, via RPI, para apresentar sua manifestação, uma espécie de defesa, visando a manutenção do seu registro, no prazo de 60 dias.

Importante observar que uma vez requerida a caducidade, o ônus de provar a utilização da marca, tal como concedida, e a não ocorrência das hipóteses legais para a extinção do registro é do titular. A não demonstração poderá implicar no reconhecimento, ou melhor, declaração da caducidade do registro, trazendo graves conseqüências jurídicas para o titular, como a impossibilidade de impedir terceiros de utilizar sua marca.

Outro reflexo importante é tornar o registro de marca idêntica ou semelhante “disponível”, podendo ser registrada novamente, por qualquer interessado.

Há que se ressaltar que a LPI prevê a possibilidade do titular do registro “justificar”a não utilização da marca que, uma vez aceita, impedirá a decretação de sua caducidade (5). Outra possibilidade é a demonstração de que a marca é utilizada por terceiro autorizado, por exemplo em sistema de licenciamento, tendo em vista que a utilização da marca não é atribuição única e exclusivamente do seu titular (6).

Quanto aos efeitos da declaração, a primeira conseqüência natural que observamos, é que ela evidentemente não retroagirá à data da concessão do registro, como no caso do PAN. Os efeitos da extinção do registro (conseqüência da declaração de caducidade) se projetam para o futuro, a partir da decisão proferida pelo INPI, sendo assim ex nunc, atingindo também toda a coletividade (erga ominis).  
Não se admite, por outro lado, a caducidade parcial do registro.

Finalmente, vale lembrar que da decisão de declarar ou negar a caducidade caberá recurso, que, entende-se, possui o efeito suspensivo, o que significa dizer que enquanto não for decidido, o titular do registro continuará gozando de todos os direitos advindos com sua concessão, tornando sem efeito o conteúdo da declaração da caducidade.



VII – Ação de Nulidade

Sem o rigor técnico necessário, e guardadas as devidas proporções, poderíamos dizer que a ação de nulidade é a versão judicial do processo administrativo de nulidade.

É claro que essa possibilidade de reconhecimento de que o ato concessivo do INPI é nulo, pela via judicial, possui uma infinidade de aspectos específicos e relevantes, não abrangidos pelo PAN, mas não é demais afirmar que o que move essa ação é justamente o mesmo fundamento.

De tal feita, em função do foco desse singelo escrito ser o processo administrativo para obtenção do registro de marca, faremos apenas pequenos comentários sobre a ação, esperando poder explorar seus aspectos controvertidos em outra oportunidade.

A previsão legal está no artigo 175 da LPI, que atribui a qualquer interessado, inclusive o próprio INPI a legitimidade para propor a ação. Aliás, o INPI sempre fará parte da ação, seja no pólo ativo (por liberalidade), ou no pólo passivo (por imposição legal).

Sobre a participação do INPI, no pólo passivo, vale apontar que há, ainda hoje, polêmica sobre a sua figura: assistente ou litisconsorte?(7).

O prazo para ajuizamento da ação é de 05 anos, contatos da concessão do registro. Não é necessário que o interessado tenha tomado medidas na esfera administrativa, contra a concessão do registro anulando. Isso significa que não se exige que seja instaurado o processo administrativo de nulidade: a ação pode ser ajuizada independentemente de sua existência ou mesmo pendência de julgamento.

A exemplo do que ocorre no PAN, os efeitos da decisão que declaram nulo o ato de concessão do registro são ex tunc  e erga ominis, observadas as regras processuais cíveis quanto à execução de sentença.

No entanto, nesse caso o poder judiciário poderá suspender, até mesmo liminarmente, os efeitos da concessão do registro, e do próprio uso da marca, resultado que não pode ser alcançado com a via administrativa (PAN).


VIII – Fluxograma






1) Recomendamos também a leitura do Manual do Usuário, disponível no site do INPI: www.inpi.gov.br
2) Sobre os portugueses e a propriedade intelectual no Brasil, recomendamos a leitura do artigo  “200 Anos da Vinda da Família Real  ao Brasil: Um Brinde à Propriedade Industrial”, disponível em www.propriedadeimaterial.blogspot.com. Quem tiver interesse em saber mais sobre o assunto ou se aprofundar no tema, recomendamos o livro “Tratado da Propriedade Industrial”, de João da Gama Cerqueira, publicado pela Editora Revista dos Tribunais, cuja edição está esgotada, mas pode ser encontrado em sebos e bibliotecas.
3) Os examinadores do INPI são selecionados através de concurso público.
4) Os formulários para depósito de pedido de registro estão disponíveis no site do INPI.
5) Veremos, em outra oportunidade, hipóteses de justificativas que podem ser aceitas, bem como outros aspectos importantes sobre o tema.
6) É claro que essa hipótese de uso deverá ter sido realizada dentro do período de 05 anos, não sendo apta a impedir a caducidade a cessão de marca em desuso há mais de 05 anos, ou seja, ocorrida posteriormente.
7) A questão é polêmica e doutrinadores de peso ainda defendem diversas correntes. A jurisprudência igualmente não é uníssona sobre o assunto. Em razão do escopo do presente, pretendemos abordar o tema em outra oportunidade.
___________________

Elaborado em 11.2009


Publicação:
Jus Navigandi nº 2330 (17.11.2009).


GOMES, Franklin. O processo administrativo para obtenção de registro de marca. Noções e fluxograma. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2330, 17 nov. 2009. Disponível em: . Acesso em: 17 nov. 2009.



MIGALHAS n. 2272  (20.11.09)






quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O Processo Penal da Pirataria II. Sociedade x Infrator: Como encontrá-lo?


Como tivemos a oportunidade de expor em outras oportunidades, o titular de direitos tutelados pela Propriedade Intelectual e a própria sociedade sofrem perdas imensuráveis com a usurpação de seus direitos. A famigerada “pirataria” ganha cada vez mais o status de “CRIME DO SÉCULO”, “CRIME RENTÁVEL”, sendo cada vez mais identificada como um verdadeiro negócio, cujo atrativo principal (e que lamentavelmente no Brasil não lhe é exclusividade) é a impunidade.
A par disso, a justificativa de que as penas culminadas para tais delitos são baixas, tem norteado as discussões sobre o tema, muito embora seja inegável o avanço no seu trato (e o termo trato inclui combate e conhecimento, como aquele feito com doentes), o que parece sinalizar que a forma de encarar essa especial e “pseudo-moderna” criminalidade tende a se descolar do conceito clássico de que a solução é apenas aumento de pena.
De todo modo, o tema desse pequeno escrito é tecer comentários sobre outro grande problema enfrentado na persecução criminal dos delitos contra a propriedade imaterial: a localização, identificação, citação dos infratores.
 A bem da verdade, muitas vezes os titulares dos direitos violados buscam tão e somente a apreensão dos produtos que violam seus direitos, seja através de apreensões policiais, medidas cautelares judiciais ou mesmo ações cíveis, sem, no entanto traçarem as estratégias de como levar adiante a persecução.
Por outro lado (e aqui falamos apenas sobre os aspectos processuais penais) há que se reconhecer que os grandes focos de comércio de produtos piratas, como a famosa 25 de Março em São Paulo, são formados por pessoas “sem-face”, sem endereço, sem identidade e, em sua grande parte, por imigrantes, muitas vezes ilegais.
E mais, os negócios, ali, são como os desertos: mudam ao sabor do vento. E as pessoas, em função disso, conseguem, com facilidade ímpar, se manter invisíveis para as autoridade e reluzentes para os negócios ilegais.
Diante disso, o que vemos é que seja nas ações públicas, seja naquelas privadas, a dificuldade de localização dos envolvidos, após a realização de diligências de busca e apreensão é tarefa tortuosa, ingrata, penosa e muitas vezes sem qualquer sucesso.
Ao lado do ônus suportado pelas vítimas, que muitas vezes são as que desempenham o papel de mola propulsora da ação de combate à pirataria (arcando com os custos inerentes), mesmo em ações penais públicas incondicionadas, essa dificuldade em levar adiante o processo penal, desestimula a sua efetiva participação, moldando sua tarefa em tão e somente buscar a retirada de produtos falsificados do mercado.
Mas esse quadro pode e deve mudar.
A recente alteração promovida no Código de Processo Penal Brasileiro, que de forma copiosa trouxe à esfera penal a citação ficta, representa um instrumento de grande valia para alteração desse quadro.
De acordo com a nova redação do Código de Processo Penal (art. 362), o réu que estiver se ocultando, pode ser citado por hora certa, o que significa dizer que não mais será aplicado ao caso o art. 366 do CPP, que implicava na suspensão do prazo do processo e da prescrição.
O funcionamento da nova sistemática é simples: o oficial de justiça deve comparecer 03 vezes no endereço constante do mandato e não encontrando o réu, suspeitando que ele esteja se ocultando, deve intimar qualquer pessoa da família ou mesmo um vizinho, que no dia seguinte, em determinada hora, voltará para realizar a citação. Se no dia seguinte o réu não estiver presente, o oficial tentará obter a razão da ausência, dando-o por citado, deixando cópia da contrafé com a pessoa da família ou vizinho.
A lei exige ainda o envio de radiograma ou telegrama para cientificar o réu.
A grande virtude dessa nova sistemática é deixar de penalizar a sociedade pela reiterada “malandragem” do réu. Ou seja, se no passado essa tácita praticamente acabava com o processo (não na acepção jurídica, mas prática), agora não afastará o processo e mais do que isso, permitirá o seu prosseguimento.
Assim a amplitude e o alcance da medida, certamente, abarcarão “n” situações e amoldarão, com justeza, hipóteses que eram desfavoráveis à sociedade e vítimas.
No caso dos delitos contra a propriedade intelectual, especialmente aquelas condutas “obscuras”, dos grandes centros, de importadores inexistentes, imigrantes ilegais, pessoas sem lastro, que maliciosamente se esquivavam, essa nova regra se amolda com perfeição a mais eficaz forma de evitar o acumulo de processos sem solução, envolvendo casos de “pirataria”.
E claro que uma dúvida deve estar pairando no ar: o que é melhor, o processo suspenso pelo art.366 CPP (com a possibilidade de antecipação de provas) ou a continuidade, sem a presença do réu?
Sem nos debruçarmos sobre o tema com a profundidade necessária, basta dizer que com a suspensão, por estar o réu em LINS ou se esquivando da citação, na ordem prática, como afirmamos acima, o processo praticamente “morre”, especialmente para o réu.
A bem da verdade, quanto a suspensão do processo e do prazo prescricional, a despeito de parecer algo positivo, pois em tese o poder de punir continuaria ativo, vivo, o mundo real nos diz que não são feitos quaisquer esforços para dar seguimento ao caso e esse poder não passa de uma mera esperança. O processo fica praticamente trancafiado aguardando algum “deslize” (e há discussão sobre a possibilidade de decretação de prisão preventiva – especialmente em crimes contra a propriedade intelectual), prestigiando a “malandragem” do acusado.
Aliás, sobre a prescrição, conquanto a lei silencie quanto ao prazo de sua suspensão, a jurisprudência majoritária é no sentido de que a suspensão deve corresponder ao prazo prescricional do crime, calculado com base na pena máxima prevista. Assim, decorrido esse prazo, a prescrição voltaria a correr pelo tempo restante, até que ocorra a extinção da punibilidade pela prescrição.
Essa estratégia é, muitas vezes, utilizada por aqueles que se vêem envolvidos com crimes contra a propriedade intelectual. Eles se esquivam da citação, e mesmo quanto localizados, não são identificados (existem centenas de pequenos boxes, vendedores, ambulantes, sacoleiros, pequenos importadores, todas atuando de forma informal), por serem “sem face”, como dito. Assim, continuam vivendo na informalidade, no anonimato (ainda mais os imigrantes), sem qualquer risco de terem sua paz turbada.
Há casos, e o autor é testemunha, de pessoas que são réus em mais de meia dúzia de processos e, muito embora continuem atuando na mesma região, não são citados, muito embora sejam constantemente intimados por novas infrações a prestarem esclarecimentos nas delegacias de polícia.
Portanto, inegável reconhecer que a escusa do infrator passará a representar nítido prejuízo na medida em que o processo não será suspenso e sua defesa será conduzida por defensor que não terá qualquer informação sobre a sua versão dos fatos, limitando-se a atacar pontos genéricos, legais e informações engessadas do processo.
De tal forma, essa nova lei vem em boa hora, especialmente nos crimes contra a propriedade imaterial, onde praticamente todos os réus apesar continuarem no seu mundo paralelo, esquivam-se, furtam-se à citação.
Mas é evidente que para que haja a melhor exploração do seu conteúdo, mais do que conhecimento da letra da lei, será necessária a participação ativa da vítima, da autoridade policial que conduziu a apreensão e atuação esmerada do Sr. Meirinho.
Vejamos, mais uma vez, um caso de comerciante da região da 25 de março, que tem “um Box” em uma daquelas galerias que vendem produtos falsificados. No passado, o oficial de justiça se dirigia ao local, perguntava sobre o “fulano” e mesmo todos sabendo que ele continuava ali, exercendo sua atividade, a reposta era a de que ele não mais estava no local (resposta que muitas vezes era dada pelo próprio réu).
Naquela situação, não havia o que fazer. O oficial após tentativas certificava o famoso “LINS – Lugar Incerto e Não Sabido”, mesmo em caso do réu estar se ocultando, se furtando à citação. E ainda que assim certificasse, não alteraria o resultado final: aplicação do 366CPP, ou seja, suspensão do processo e da prescrição.
Assim, fosse esse ou aquele caso, o processo, na ordem prática, estava sendo sepultado, já que seria feita a citação por edital (alterando apenas os prazos em função de seu fundamento).
Mas hoje quer parecer que a situação é diferente e aqui mais uma vez polícia e vítima devem contribuir para maior efetividade do novo regramento.
A polícia, em primeiro lugar, deve sempre que ocorra a apreensão, conduzir os suspeitos até a delegacia, e não simplesmente deixar uma intimação para alguém que muitas vezes não tem identidade, ou ostenta apenas um pedido de visto permanente ou documento que o valha. Essa atitude, que lamentavelmente ainda ocorre, viabiliza o sumiço do suspeito, já que como sabemos, não há qualquer vínculo com o local ou os produtos que estava comercializando.
Já a vítima, quando estiver presente, deve exigir a identificação dos envolvidos, a ser realizada pela Autoridade Policial, com obtenção de todos os seus dados e consulta aos sistemas policiais, para garantir futura e eventual localização. E se o averiguado não possuir identificação civil, insistir para que a seja procedida a identificação datiloscópica.
Por outro lado, quando da expedição do mandado de citação, a vítima, que deve sempre acompanhar o processo, preferencialmente na condição de assistente da acusação, fornecer subsídios adicionais ao oficial de justiça.
Finalmente, em casos como o ilustrado acima, deve o oficial de justiça procurar o administrador do espaço, a fim de obter informações sobre o réu e, se verificar que aquele ainda permanece no local ou na região, tentar identificá-lo, mas não sendo possível, obedecendo ao rito processual, entregar contrafé ao administrador do espaço, dando o réu por citado.
Somente o esmero no cumprimento do novo regramento e que trará os frutos pretendidos pelo legislador.